Tuesday, June 5, 2007

quote from jeff


jeff koons:


"Abstraction and luxury are the guard dogs of the upper class." perfeito!


Mas não vejo nada de terrível nem na abstracção nem na luxuria. As elites utilizam os cães de guarda como defesa que os espelha. A forma como as elites legitimam a abstracção é hipócrita, uma vez que esta serve para dissimular a luxuria e fingir que salva as elites, uma vez que a abstracção é a «representação» da identidade «pura». A tradição da arte abstracta teve que esperar por Hegel, e a sua ciência da lógica para se começar a introduzir enquanto «modernidade» da arte. A abstracção é a habitabilidade do «fim», e a «arte conceptual» é a aplicação de práticas de arte abstracta à linguagem e a matilha de ciências «moles» que a segue. Perfiro, regra geral as ciências duras.

Wednesday, May 2, 2007

auto, bio e grafia


a minha «obra» não é autobiográfica , mas é «auto», é «bio» e é «gráfica» - nela se cruza uma polisubjectividade com os avatares de uma serialidade que expropria as «subjectivices», como se Fernando Pessoa se cruzasse com Cage ou Soll Lewitt. Falta-lhe a «interiorisse», mas não lhe falta o pulsional - um pulsional mais «infantil» (e consequentemente «polimorfico-perverso») do que motivado por uma vontade de desentranhar obscuras zonas traumáticas


gosto que as coisas saiam cá para fora, e de retomar séries alheias como se fosse uma máquina «demasiado humana» de retraduzir paisagens interiores/exteriores


provávelmente é na abstracção que sou mais intímo, sexual e concreto

«crianção»


Alguns posts atrás os dedos fugiram-me no sentido de um «lapsus dactilugraficus» (desculpem-me o macarronismo) - em vez de criação, escrevi crianção - neologismo que se destaca da noção pejorativa de criancinha - crianção é o que na criança e na criação aspira a ser grande.

porretanos


Não tarda entraremos nas guerrilhas comichosas da «querela dos universais», não muito distintas de outras arabes e hindús. A posição que tenho propensão a defender é a de um «sensualismo» que ao mesmo tempo é radicalmente nominalista (dentro de uma tradição que vai directamente do sofista Antifonte a Alberto Caeiro... e talvez a Nelson Goodman (ou nem por isso?)), imanentista (materialista ou pan-ateísta? ou nem uma coisa nem outra?), e subreticiamente «mágico» (pois acredito na eficácia das formas, ora bolas!). Não sei se há atribulada contradição entre estes termos e teorias. Julgo encontrar ecos de uma estética do encantamento (que me é cara) em Gorgias e Abhinavagupta, em que a predisposição para nos deixarmos embalar pela ilusão é sinal de um prazer divino (no que o humano pode ter desse adjectivo).


Há no entanto argumentos curiosos quanto à eficácia das «formas» (ou dos arquétipos - uma tradição pitagórica-platónica-tântrica que é confirmada pelas experiências de Tinberg). Por exemplo, Gilberto de Poitiers (Gilbertus Porretanus) faz, a partir de Boécio a distinção entre o quod est (o que é) e o quo est, o «porque» uma coisa é assim ou assado. Transcrevo Jolivet: «O quo est é também defenido como «poder de fazer» : isso leva a considerar que a forma é eficaz. Gilbert, seguindo neste assunto Bernard de Chartres, chama «formas originárias» (formae nativae) às formas que residem nas coisas criadas: «sensivel na coisa sensível, insensível quando é concebida pelo espirito, singular em cada coisa tomada à parte, universal em todas» (João de Salisburia).»


O que é incontornável é a eficácia física, sensual, singular, de determinadas formas «mais abstractas», assim como de determinados sons, relativamente simples. A questão não é entronar a forma eficaz, nem ser um devoto de números de ouro e semelhantes refúgios de místicos de opereta. O que interessa aqui é uma prática que considere como incontornável o que Jolivet designa ao dizer que a forma é eficaz, isto é, que as formas mais generalistas são mágicas, no sentido de produzirem determinados efeitos - o que é o mesmo que dizer que as imagens são poderosas. Essa eficácia é a porta do «encantamento». E é aí que entra em liça a estética indiana dos rasa, e dos raga e do bhava. A ver vamos.

Monday, April 23, 2007

são as «essencias» metamórficas


Qualquer leitor de Platão ou de Aristóteles constata que as categorizações e os dispositivos conceptuais que usam mudam de livro para livro, e no caso de Platão há inclusive uma teatralidade que acompanha o leitor dentro do mesmo livro. Podemos supor que as «soluções» apresentadas pelos principais personagens dos diálogos podem ter um refutador pelo mesmo personagem que as afirma, ou que as nuances se vão aguçando. A velha noção de filosofia implica essa mesma próximidade metamórfica e um temível criticismo. Nos gregos é o prazer de refutação, de discussão e de conversação que predomina. Nestes termos as essências são metamórficas. O caso da «mesa» é o de algo que não tem uma existência intemporal, uma vez que a sua criação é recente. No mesmo sentido, qualquer coisa que exista neste mundo não terá existido a determinada altura. Falar da essencia de qualquer coisa é falar do devir desse tipo de coisas conjugado com o devir do pensamento que a pensa, manipulado (ou manipulando) em quem experimenta tais pensamentos.


Dir-se-ia que a pintura é uma singularidade enquanto prática (se excluirmos os múltiplos e uma hipotética refutação wharholiana ou as teorias de Baudrillard) e resultado - mas a pintura namora essa «ficção» de essencias metamórficas, e fá-lo mal aceita o termo arte como categoria limitativa (ou aumentativa) de um fluxo de possibilidades. As artes ditas plásticas são mais nominalistas que a música ou a literatura, porque o som namora a redução das suas frequências a algo codificável e combinável. Quanto à literatura, toda a palavra supõe a admissão de algo partilhável e generalizável. Por isso o literário acaba canibalizado no filosófico, enquanto o artístico, e sobretudo o pictórico, fica limitado à exibição de singularidades extremas (mesmo quando enunciam, através da arte dita abstracta, sublimes generalidades), embora estas sejam «replicáveis» (até à nausea) através da reprodução mecânica ou cibernética. Esta reprodução não desfigura a singularidade senão como uma falsa aura que duplica, e de que maneira, a aura original.

Wednesday, April 4, 2007

geometria e kitsch


O kitsch é vulgarização - há algo de nojento e de má experiência. O misticismo axaropado e a acefalia são seus contribuintes. Degradês grotescos! O absoluto em edição disgusting! É tudo uma questão de higiene mental. A geometria seria um bom antidoto para o kitsch, mas há quem consiga pervertê-la com brilhos inadequados. Os misticismos são frequentes acompanhantes do kitsch. O kistch relacha-nos, conforta-nos, estupidifica-nos e torna-nos mais domesticáveis. O kitsch é frequentemente um exagero tecnológico, é a espuma (ou os suburbios) das modernidades.


O bom gosto é inibidor? Em parte, se o cultivarmos como um dogma. Pelo contrário o bom gosto é algo mais natural, mais institivo, mais antigo, mais simples. Conservador? De modo nenhum - é o que põe o mais antigo no mais actual, sem reverências.


Bom gosto - simples e complexo.

Kitsch - complicado, confuso, rebuscado.

Tuesday, March 27, 2007

frankye goes sousa


sempre amei as riscas paralelas do frank stella - assim como as linhas subtis do ângelo de sousa - ambos têm algo de africano que tentei sintetizar num desenhito da altura das minhas descobertas dos trigramas , como as três direcções que nos cochicham num plano

o caso dos 9







o meu interesse por Ad Reinhardt e Almada derivava do uso do número 9 como estrutura visual - o mesmo número de triângulos da tetrakis, e da relação 9/10 já referida do Almada Negreiros
num destes esquemas associava os diagramas com as côres que se combinavam nos 81 tetragramas, assim como a estabilidade/instabilidade dos 27 trigramas, o que serviria para discorrer sobre a maneira como é que um trigrama a contar de baixo se acasalava com um a contar de cima e outras peripécias do género
não estava preocupado com nenhuma consequência «mística», mas apenas em seguir o jogo, um pouco dentro do espirito de um Soll Lewit



o canone da suprema obscuridade




recordo-me de em 84, quando formulei a teoria do ângulo recto à luz da relação doxa/paradoxa, de ter posto levemente a hipótese de um I Ching trenário - hipótese que desenvolvi com esquemas e estruturas durante o inicio dos anos 90( e posteriormente de uma forma mais circunstancial), como se uma «revelação» ou uma obrigação tivesse caído sobre mim


a minha grande dificuldade foi em atribuir significado aos tetragramas e em ordená-los


esta pintura de inicios de 87 podia ser um emblema deste sistema


o que é certo é que só depois do inicio do milénio descobri na Internete o que só podia ser òbvio - um chinês já o tinha feito. Chamava-se Yang Hsiung, e o seu livro T'ai Hsuan Ching (ou taixuanching). O livro terá sido escrito por volta do 4 ano antes da era cristã. A sucessão dos pentagramas está associada a uma «advinhação» que se vincula ao calendário solar


o autor não é uma criatura mítica, como no caso do I Ching, e era um poeta - a sua vida acabou mal devido a atribuladas questões politicas - o livro é «neo-confunciano», com muita influência taoista- é um tratado com enfase na complexidade, aceitando dosagens de ordem e de desordem, de organização e desorganização, um livro que Edgar Morin e outros deveriam ler como percursor
vale a pena ler o artigo da tradutora (embora haja uma tradução anterior menos recomendada) e de um seu colega

vort(ex)







a temível diagonal ascendente que intersecta tudo - em 86/87 estes híbridos chamavam-me como um espaço que, por mais falso que parecesse, me tornava mais plural, através da heteronímia, e de uma «sinceridade» contruída a partir do motto «fraude de fraude» - é através de um complexo jogo de dissimulações e divergências que os fragmentos do mundo se associam em algo que me parece maravilhoso - numas época de cinismo e de endgame toma as redeas da rememoração não como um espectro do passado, mas como algo que está em potência de reflorescer no presente - afinal, apesar dos minimalismos, tudo foi hibrído enquanto vida - a geometria fortalece as aparições híbridas

no inicio tudo é sensivel, habitado por uma densa e secreta geometria que a nada se subjuga, e que sentimos como uma doce e vigorosa tensão


depois tudo é ready-made, com complexas teorias, escandalosos fins, sumptuosos e codificados absolutos, cínicos paradoxos, excitantes promessas, repetidas frustrações


depois tudo volta a serainda mais sensível, embora a geometria seja mais òbvia

Saturday, March 24, 2007

tantric suprematism

Malevich é iconofilo - ama a complexidade, a vertigem, os velhos icones. Acredita na força das imagens e não na sua submissão a uma tranquila harmonia. Fiz-lhe uma homenagewm num livro «tantric suprematism»

Wednesday, March 21, 2007

hippaso de metaponte


Hippaso estableceu uma diferença entre o kosmos (a bela disposição do mundo) e tudo o que é.


Não se adaptou ao caracter sectário dos pitagóricos e divulgou algumas das suas descobertas, como a irracional raiz quadrada de dois e uma forma de inscrição do pentagrama no circulo.


Há nas suas teorias uma tensão entre o principio metamórfico do fogo, muito semelhante ao de Heraclito, que se dá num tempo defenido, e um todo que é finito, embora movente.


No fundo Hippaso dar-se-ia bem com os chineses e o seu livro das mutações, também eles dados ao jogo das relações númericas e as suas habilidosas coincidências.


Disse Hippaso: «o Número é o modelo primeiro da crianção do universo. O Número é o orgão de decisão da divindade que organiza o mundo.»

rendimentos e misticismo


low budget mysticism, creio, terá dito o Peter Haley. «A pintura a Day-Glo significa um «misticismo de baixo rendimento». É o brilho residual da radiação». O resultado traduziu-se na prática num bom rendimento de baixo misticismo.
Os místicos, em geral, fazem mesmo arte de baixíssimo rendimento - a radiação não deriva do material mas da tensão interna - o que acontece em Malevich e nos suprematistas, ao contrário do que está voluntáriamente domesticado em Haley
A arte da dissimulação barroca é o antídoto da arte do desaparecimento na selva dos simulacros - o corpo continua a ser corpo, com ou sem próteses
o apelo absurdo do «absoluto»? Why not?

o cubo é uma esfera


O «pseudo-jamblico» enunciou a teoria homeostética do 6=0 (o cubo é uma esfera) numa curiosa divagação sobre Pitágoras:


«todos os biografos de Pitágoras afirmaram wque as suas metempsicoses tinham a duração de 216 anos e que após um igual número de anos ele tenha vindo ao mundo para uma nova vida, como se tivesse esperado o primeiro retorno cíclico do cubo, através do número 6, que é o principio gerador da alma, ao mesmo tempo que é o número recorrente em razão da sua esfericidade


Não há diferença entre a Doxa e o Ser (ou entre Maya e o Brahman)


A Doxa está associada a deusas (é Parménides quem o diz!): Ananké, Afrodite, Themis, Hekate,etc. McEvilley também fala de Inanna-Ishtar, no dominio sumério/acádico


Acrescento a Noite (a da tradição Órfica, a do inacabado), Vac (a palavra, grande mágica, mãe dos impulsos retóricos e das inumeras persuasões), e, acima de tudo Mnémosyne, a mãezinha das musas


a geometria é, pulsionalmente, uma anamnése, o exercicio duma memória da mãe de todas as formas

a doxa (de acordo com McEvilley)


Este é Thomas McEvilley com o meu filho ao colo no Outono de 1987 em Innsbruck. Lembro-me de que se enfrascava em champanhe no hotel, fosse tarde ou cedo.
McEvilley é um céptico, tal como eu o sou na maioria das vezes. O seu brilhante livro The Shape of Ancient Thought é um caldeirão onde o pensamento grego ferve com o indiano - o que Thomas faz é criar uma série de sérios links e redes e sugerir hipóteses, mas sempre com elegante prudência. O pensamento antigo torna-se mais excitante.
O pensamento antigo torna mais evidentes os problemas filosóficos que a arte coloca. O mesmo acontece com muitos aspectos do pensamento medieval (como as eternas disputas entre realistas e nominalistas). Gosto de ter os livros de McEvilley ao lado de Tchouang-Tseu e Nietzsche.

história portátil







em 1991, inspirado pelos escritos de Ad Reinhardt tentei, em pequenas aguarelas, fazer um resumo canónico da «arte abstrata» - fiquei-me por poucas (não encontro um «Barnett Newman» - mas pintei mais de uma dúzia de ad-reinhardts tal como os imaginava (hoje na colecção da PT).
deveria retomar um projecto parecido: «falsa história da abstracção» - a aguarela parece-me um meio ligeiro e adequado para o fazer

uma abstracção não-iconoclasta


A ideia de que a militancia na causa «abstracta» é necessáriamente iconoclasta provém de um medo das imagens e da sobrepovoação - deus (e alguns argumentos de peso) defendernos-ia do excesso e da magia
as figuras geométricas e as cores são imanentes, e como tal actuam como forças e sensações (o que é sensação é eficácia)
Leonardo e Durer, entre outros, eram tremendos «abstraccionistas» e retomaram fecundamente o legado pitagórico - eram tudo menos iconoclastas
a causa iconoclasta nasce também de um horror a tudo o que é sexual, demonizando tudo à sua volta - há um prazer em anatemizar, em excomungar, em queimar em praça publica
o modernismo, nos seus aspectos mais heroicos, foi pródigo nestas acções onde imperava o espirito de seita - nós aceitamos a herança modernista, mas não o seu terrorismo
a causa da abstracção é de abertura, de conquista do «aberto», não de enclausuramento e bárbaros e elitistas sectarismos

Sunday, March 18, 2007

zoologologias


Frank Stella, nos seus primordios, disse what you see is what you see. Não sei exactamente o que é que o Stellas via, mas pintava umas belas e negras riscas. O que me agrada nelas é o seu cheiro a ritual - um ritual que não sendo absolutamente puro, parece querer purificar o olhar do lixo visual. O aspecto higienista da arte abstracta mais geométrica e bem-feitinha está no entanto ausente das primeiras obras de Stella /(as de que gosto), sensualmente omnipresente na fase que lhe sucede, e completamente ausente a partir de certa altura. Nalgumas pequenas séries, como na obra acima, fiz o criticismo possível de Stella ao pensar em imaginárias ramificações a inexistentes rituais - há algo de zoológico e «cosmológico», como se os ritmos que Stella sugere se encontrassem em qualquer parte deste vaste universo - são esses ritmos que são assimilados nos padrões, miméticos ou não, do mundo animal. Logos de segundo grau. Há uma frase de Nietszche que me sussurra como um leitmotiv : «natureza é um carnaval divino». Os diagramas nascem da epiderme - como um espelho animal que acompanha os estados do mundo.

Friday, March 16, 2007


também gostava das obras com um ar de partitura de musica contemporânea do Jorge Pinheiro. A patern painting estava no ar. Não me envergonho do «primitismo» das minhas obras da altura (que não me abandona) - a musica minimalista e a obcessão ritmica pareciam coisas que contrariavam o ar demasiado pretencioso da arte que ainda se denominava (não sei se provincianamente) de vanguarda. O Pedro Portugal dizia que a arte de vanguarda era feia ou «não lhe dizia nada» - é em finais de 81, ou inicios de 82 que conheço o Xana, the most portuguese pop-patern painter. Vou continuar a dizer e a repetir - as formas, com a sua energia geradora de memórias e representações - é anterior e mais forte que o bluff dos conceitos. O caracter de bluff da arte conceptual, que em Portugal foi tímida e lirica, parecia-me òbvio, se bem que houvesse nalgumas das suas práticas algo de autêntico. Kosuth parecia-me um filósofo de terceira, e ainda hoje acho um pastel ilegível os escritos dos Art & Language. O que não quer dizer que muitas das suas reflexões não sejam acertadas. O artista não deve ser o seu merceeiro - se bem que se tenha convertido num empresário manhoso. O artista deve ser o seu melhor crítico e curator - os outros são parasitas.


em 1981, quando comecei a pintar (esta é uma obra do outono desse ano) havia uma energia manual no ar - as obras de ângelo de sousa, de malevich, de paul klee empurravam para formas que não sabiam ficar quietas

dove sta la memoria

não acho que a imagem abstracta seja «deus» e que haja a necessidade apocaliptica de uma «última pintura» que se possa repetir endlessly - gostei no final dos anos 80 do acasalamento que Gerhard Merz fez entre Ad Reinhardt e a literatura de Alberto Savinio (entre outros) - as solicitadas (por uma dama) e intelectuais questões de amor de Guido Cavalcanti levavam a citar-lhe a celebre questão «dove sta la memória» (via Ezra Pound?). A memória está cada vez menos presente na arte, a não ser como encenação historicista com vista a um rápido consumo massivo - esse papel têm-no desempenhado bem os museus, mas as retrospectivas, que trazem «mais luz» são falsas porque procuram sempre mais do que os links do «artista».
a memória é o que se enterlaça com a forma - a arte abstracta não se desvincula da memória, mas é, pelo contrário, como o mostrou em primeiro lugar Frances Yates, um instrumento priveligiado da «arte da memória». A arte abstracta sempre «representa» uma vez que é nela que está a memória, sejam as memórias estritamente pessoais, seja a memória das formas que antecedem essa forma, seja a memória do «menos diminuto» (termo que substituiria ao controverso «absoluto»). Não é o silêncio, o inefável, ou a sua presença de que falam as obras «abstractas», mesmo o «be» (e outros casos de Barnet Newman), o aqui, uma inequivoca chamada a uma firme imediatez, é também um manifesto pelo crescimento, um apelo aumentativo que é a meu ver a «memória». O onde onde está a memória.

Wednesday, March 14, 2007

neo-geo


nos anos 80 a geometria livrou-se do seu esforço canónico e mostrou ostensivamente a sua relação com as questões políticas/pop: a arquitectura em Gerhard Merz, o mobiliario em Armleder, etc., etc. - as tendências neo-geo oscilaram entre o lúdico e a retórica dos imperativos do espírito. Ambos os lados são verdadeiros. O mundo em que vivemos é mais geométrico e «metafísico» do que nos apercebemos (o heideggarzinhos de tasca!) - o mundo à nossa volta é verdadeiramente excitante, mesmo nos seus aspectos «em construção» (ver Cabrita Reis), ou degradados (via Robert Smithson). Mas a tirânica mãe natureza é mais fantástica do que as cidades idealizadas por Mondrian, ou os bairros sociais dos discipulos de Corbusier. Um urbanismo pornoecologico ainda vai a tempo de des-suburbizar os suburbios, transformar o ruído ambiental, apalaçar ainda mais as cidades, e ajardinar o mundo numa estratégia anti-condominio de luxo. É certo que estas hipóteses soam a parvoíce.


A neo-geo deu uma frivolidade legitima à geometria. Acho que podemos sentir o latejar canónico sem deixarmos de ser profundamente frívolos.

podemos ver a geometria dos egipcios e dos mesoptâmios, mas não podemos pensá-la como o fizeram os gregos, os hindús, os chineses, os gnósticos, e por aí adiante


confesso que não quero entrar em terras maçónicas ou em edulcorações teosóficas - a geometria pode servir os sectarismos mas não cabe neles


os gregos parecem-nos os mais uteis para perceber os nós que unem as figuras geométricas e as redes flutuantes do «pensamento» - Michel Serres fala deste acontecimento como algo que sucedeu por triângulações (a partir de Thales e a do modo como ele importa a medição das pirâmides através das sombras)


também não podemos esquecer o caracter pragmático (e teórico) das geometrias «sofisticas» - normalmente esquecemos que os sofistas, esses detratores do modo como se legitima o Ser, também foram diligentes geómetras, e abordaram com argúcia questões como a quadratura do circulo


Platão exigia que os filósofos fossem geómetras porque os conceitos são derivados da geometria - grande parte da filosofia, embora aborde questões topológicas, é desde há muito má geómetra, e nesse sentido incipiente. Spinoza ainda estruturou a sua Ética a partir de um modelo euclidiano. Bachelard, e em parte Valéry, procuraram entrar no âmago geométrico, e nas novas possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento das matemáticas. Recentemente Sloterdijk tem uma brilhante trilogia sobre as esferas.


Pelo contrário, foi na pintura e na arquitectura «moderna» que se produziram as mais agudas reflexões sobre a questão geométrica, num tremendo esforço «canónico». Corbusier é exemplar. Mas em todo o modernismo há um hálito totalitário. A geometria oferece-se como possibilidade de intensidades e não como restrição. Não vamos todos viver (ou ficar mortos) em pirâmides ou habitar maquinalmente. Acho que deviamos oferecer a esta fantástica herança canónica um novo fôlego.

de(corações)





Puisque peindre c’est un jeu.


Puisque peindre c’est accorder ou désaccorder des couleurs.


Puisque peindre c’est appliquer (consciemment ou non) des règles de composition.


Puisque peindre c’est valoriser le geste.Puisque peindre c’est représenter l’extérieur (ou l’interpréter, ou se l’approprier, ou le contester, ou le présenter).


Puisque peindre c’est proposer un tremplin pour l’imagination.


Puisque peindre c’est illustrer l’intériorité.


Puisque peindre c’est une justification.


Puisque peindre sert à quelque chose.


Puisque peindre c’est peindre en fonction de l’esthétisme, des fleurs, des femmes, de l’érotisme, de l’environnement quotidien, de l’art, de dada, de la psychanalyse, de la guerre au Viet-Nam.



NOUS NE SOMMES PAS PEINTRES




diz Daniel Buren - é um statement histórico.




Mas sempre que vejo as suas obras não deixo de ter uma sensação de «tia», de decoradora, é certo que à grande e à francesa - com palavrosa elegância. Passa-se o mesmo com as instalações de Kosuth (menos elegantes e mais «francamente» hipócritas. As riscas verticais são-nos como experiência bem anteriores aos passeios conceptuais. Buren comporta-se como um usurário. A pintura, por mais reaccionária que seja, é uma experiência, mesmo que arraste estes clichés ou outros que lhe sejam antagónicos. Não nos podemos livrar de tudo. A pintura torna a imanência das geometrias ainda mais imanente.




Aceito a geometria e as formas «matemáticas» (assim como os números) como «coisas» que existem, mas não aceito as «categorias» como algo real - sou visceralmente nominalista, e creio que a consciência acabo por ser um entracto de diversas interfaces. Mas a geometria surge como uma regularidade subterrânea e forte que estrutura as interfaces e que por vezes desabroxa.




Por isso me excitam desde sempre os diagramas

o imanente «anterior» à imanência


a geometria é politica na medida em que toda a organização (e todas as formas) é uma relação de forças ou energias


a «geometria» não é moderna, antiga , post-moderna, etc., mas tem uma eficácia e uma presença que sendo imanentes são «anteriores» à imanência


não lhe podemos fugir, como não podemos fugir à organização - o informe permanente é a revolução permanente - algo inviável
o informe é complementar ao geométrico, excitando-lhe a diversidade de estilos


temos que nos referir à geometria e à abstração como o sumo da natureza e da vida que intensifica as nossas relações com a natureza e a vida
Haley percebeu que geometria é «canalização», ou redução («nirodha») - mas percebeu mal - como se geometria em vez de bios fosse supressão

Almada


Almada Negreiros, um nome dourado-negro (faltam-lhes as restantes côres) descobre uma versão destas relações bem antes de nós chamando-lhe 9/10 (o zero não existia para os gregos - também se pode dizer 6= 9=10) - sistematiza o modo como as relações geométricas mais fortes operam
Será a mesma relação do número budongiano (1/81)?

6=9=0




O que na «primeira» teoria homeostética era evidente, o 6=0, a identidade do recto e do curvo, do cubo (com as 6 dimensões de orientação) e da esfera, aperfeiçoa-se ao incluír as triângulações, isto é, o universo do 9, ou do «novo». O significado dos números é òbvio.




O zero é a cifra, a chave, o absoluto, a «ausência» ou a plenitude


O seis é a sexualidade («cubista?»)


O nove é a novidade, o tempo, os fluxos




é certo que os espaços que desenvolvem parecem diferentes, tal como as curvas do parténon parecem rectas ao longe

baba e abstracção


os sistemas quando se organizam nas formas mais simples seguem ritmos e padrões que recolhem a partir de transformações do aleatório/indeterminante - essa é a importância do ornamento, e das formas geométricas


os sinais gráficos deixados pelo neolítico dão testemunho de um prazer rítmico - a repetição e ritualização levam a estados psiquícos diversos, hipnóticos, alucinatórios, calmantes, frenitizantes onde o «homem» experimenta situações muito diferentes dos habituais - as formas «abstractas» são intoxicantes, funcionam como drogas, participam no «burlesco» da «magia». A «abstracção» deixa baba - por isso prefiro falar de babastracção - há uma profunda lubricidade inerente aos mais rigorosos formalismos. É graças a esse lúbricidade que o divino acontece.


pensar no «espiritual» e na «ciência das formas» como algo oposto à carne ou à excitação sexual é ignorar a experiência concreta - os quadrados e as demais formas geométricas são tremendamente sensuais e em muitos casos provocam um enorme tesão, o que, diga-se de passagem (embora pareça uma anedota sobre um «português») é perfeitamente natural


é certo que costumamos associar a abstracção ao iconoclasma, ao mêdo do hibridismo e da sexualidade, e consequentemente ao puritanismo - as culturas puritanas têm que sublimar em qualquer coisa, e em ultima instância «figuram» o que lhes parece menos figura


a abstracção, tal como a praticam os puritanos é hipócrita, é o equivalente da pornografia clandestina, envergonhada e de má-consciência (precisamente o contrário de uma pornoecologia)


no tantrismo o uso geométrico é inequívoco - os yantras são usados para a «meditação», frequentemente acompanhada de mantras - a sexualidade flui neles naturalmente como um encaminhamento para o samadhi

Monday, March 12, 2007

abstract art never refuses


a arte abstracta nunca recusa, ao contrário do que dizia o Ad Reinhardt - as imagens não negam, só a linguagem. É por isso que vejo as imagens de Reinhardt como a «ilustração» muito afirmativa da negatividade.

o badalhoquismo




O badalhoquismo de Tuttle excita-me de uma forma muito parecida à da perfeição de James Lee Byars. Sinto-lhes as delicas pontas dos dedos. Byars ama o dourado que cerca as múmias e o brilho parmenidiano da esfera. Tuttle dá-nos o abstrato como algo a que devemos estar gratos - um desejo de natural imperfeição, sem excessivo molho de degradação.

a eficácia da ficção



sinto-me pitagórico de uma forma desviante - amo a geometria como um incitamento à desordem dos outros - gosto dos números de ouro em versão pechisbeque, mas não consigo deixar de pensar a geometria sem uma certa eficácia que transpira muito para lá da arte - como uma magia comichante (como falava o platão dos sólidos geométricos)

a geometria é o oposto do simulacro uma vez que faz passar a sensibilidade das formas fortes que liberta as radiações do informe