Monday, April 23, 2007

são as «essencias» metamórficas


Qualquer leitor de Platão ou de Aristóteles constata que as categorizações e os dispositivos conceptuais que usam mudam de livro para livro, e no caso de Platão há inclusive uma teatralidade que acompanha o leitor dentro do mesmo livro. Podemos supor que as «soluções» apresentadas pelos principais personagens dos diálogos podem ter um refutador pelo mesmo personagem que as afirma, ou que as nuances se vão aguçando. A velha noção de filosofia implica essa mesma próximidade metamórfica e um temível criticismo. Nos gregos é o prazer de refutação, de discussão e de conversação que predomina. Nestes termos as essências são metamórficas. O caso da «mesa» é o de algo que não tem uma existência intemporal, uma vez que a sua criação é recente. No mesmo sentido, qualquer coisa que exista neste mundo não terá existido a determinada altura. Falar da essencia de qualquer coisa é falar do devir desse tipo de coisas conjugado com o devir do pensamento que a pensa, manipulado (ou manipulando) em quem experimenta tais pensamentos.


Dir-se-ia que a pintura é uma singularidade enquanto prática (se excluirmos os múltiplos e uma hipotética refutação wharholiana ou as teorias de Baudrillard) e resultado - mas a pintura namora essa «ficção» de essencias metamórficas, e fá-lo mal aceita o termo arte como categoria limitativa (ou aumentativa) de um fluxo de possibilidades. As artes ditas plásticas são mais nominalistas que a música ou a literatura, porque o som namora a redução das suas frequências a algo codificável e combinável. Quanto à literatura, toda a palavra supõe a admissão de algo partilhável e generalizável. Por isso o literário acaba canibalizado no filosófico, enquanto o artístico, e sobretudo o pictórico, fica limitado à exibição de singularidades extremas (mesmo quando enunciam, através da arte dita abstracta, sublimes generalidades), embora estas sejam «replicáveis» (até à nausea) através da reprodução mecânica ou cibernética. Esta reprodução não desfigura a singularidade senão como uma falsa aura que duplica, e de que maneira, a aura original.

Wednesday, April 4, 2007

geometria e kitsch


O kitsch é vulgarização - há algo de nojento e de má experiência. O misticismo axaropado e a acefalia são seus contribuintes. Degradês grotescos! O absoluto em edição disgusting! É tudo uma questão de higiene mental. A geometria seria um bom antidoto para o kitsch, mas há quem consiga pervertê-la com brilhos inadequados. Os misticismos são frequentes acompanhantes do kitsch. O kistch relacha-nos, conforta-nos, estupidifica-nos e torna-nos mais domesticáveis. O kitsch é frequentemente um exagero tecnológico, é a espuma (ou os suburbios) das modernidades.


O bom gosto é inibidor? Em parte, se o cultivarmos como um dogma. Pelo contrário o bom gosto é algo mais natural, mais institivo, mais antigo, mais simples. Conservador? De modo nenhum - é o que põe o mais antigo no mais actual, sem reverências.


Bom gosto - simples e complexo.

Kitsch - complicado, confuso, rebuscado.