Thursday, March 27, 2008

ellsworth kelly



Kelly é outro dos artistas em que um sentido extremo de formas «não-objectivas» é compativel com a representação de coisas. O caso de Kelly é particularmente interessante porque nas suas obras há uma «energia» latente a que os minimalistas são alheios. As obras de Kelly são refinadas, e não são totalmente alheias a algum esteticismo. Por outro lado são desviantes relativamente a formas canónicas.

Tuesday, January 15, 2008

INFRAÍSMO





A abstracção é uma forma superior de dissimularmos a nossa entusiastica iconofilia – as formas estruturantes (simples) são propulsoras da propensão imaginal e não suas adversárias – a abstracção, assim como as teorias mais «imaterializantes» da prática artistica são como açucar que adoça as práticas ditas representativas. Por isso nos entregamos ao ardor teórico, à abstracção, aos derivados da tradição do ready-made e à escultura presentista ou social.

A nossa franquesa cínica (na tradição de Diogenes - ou na do tantrismo mais extremo) é filtrada quer pela lógica sofística do prazer da refutação e da ilusão, e por sua vez orquestrada pelos prudentes hálitos pirronicos (por uma desconfiança em tudo, sobretudo nos aspectos mais exebicionistas e infrutiferamente contestatários do cínismo) – no entanto estes três modos supostamente incompatíveis estão em latente estado explosivo, como se o cínico-canibal que há em nós quisesse cuspir e grunhir na oratória do sofista e morder/devorar as balofas canelas do apático cepticista.

Há um vortex conceptual que é subjacente ao badalhoquismo (espontaneidade) formal da prática. Esse vortex é resultado de um excessivamente excitante entusiasmo teórico.

Acreditamos na eficácia das formas por parte de quem as usa – sdeja ele criador, seja um utilizador – mas não acreditamos na eficácia simbólica estrita.

A Iconologia, como disciplina que atribui sentido ao vai-vem entre as inclinações teóricas e uma tipologia de imagens é bem mais adequada à abstracção do que às velhas damas panejadas.

Utilizador-manipulador-criador – a relação pessoalizada com as formas/fluxos/vortex-conceptual não é desinteressada nem contemplativa – as formas são ferramentas que utilizamos para intensificar os nossos animos, para clarificar e ginasticar o nosso corpo-mente, e fazer fluir magestosamente as subterraneas correntes da criatividade.

Globalizamos singularizando – o nosso environment reincorpora o que há de palaciano no passadismo e filtra quer as àguas extremas da modernidade e os residuais charmes do periferismo – mas não nos extasiamos sempre com a condição suburbana. Não temos complexos quanto à nossa tradição que vem do fundo pré-histórico, não como um vingativo fantasma, mas como uma arte de polir e de ser claro.

Somos infraístas porque a nossa concepção do absoluto é anti-transcendentalista: somos materialista, pluralistas e militantemente anti-totalitários. Gostamos da linguagem filosófica, quer da enxuta, quer daquele que assenta bem com escabeche retórico. Gostamos das pulsões guerrilheiras e dos marotismos, assim como da àcida provocação – mas somos essencialmente doces, e polilíricos. Apologistas retóricos dos grandes feitos, somos pragmatistas das pequenas coisas – sem snobismos e pretenciosismo pindéricos, nem concessões ao grande hipercapital.

Tuesday, June 5, 2007

quote from jeff


jeff koons:


"Abstraction and luxury are the guard dogs of the upper class." perfeito!


Mas não vejo nada de terrível nem na abstracção nem na luxuria. As elites utilizam os cães de guarda como defesa que os espelha. A forma como as elites legitimam a abstracção é hipócrita, uma vez que esta serve para dissimular a luxuria e fingir que salva as elites, uma vez que a abstracção é a «representação» da identidade «pura». A tradição da arte abstracta teve que esperar por Hegel, e a sua ciência da lógica para se começar a introduzir enquanto «modernidade» da arte. A abstracção é a habitabilidade do «fim», e a «arte conceptual» é a aplicação de práticas de arte abstracta à linguagem e a matilha de ciências «moles» que a segue. Perfiro, regra geral as ciências duras.

Wednesday, May 2, 2007

auto, bio e grafia


a minha «obra» não é autobiográfica , mas é «auto», é «bio» e é «gráfica» - nela se cruza uma polisubjectividade com os avatares de uma serialidade que expropria as «subjectivices», como se Fernando Pessoa se cruzasse com Cage ou Soll Lewitt. Falta-lhe a «interiorisse», mas não lhe falta o pulsional - um pulsional mais «infantil» (e consequentemente «polimorfico-perverso») do que motivado por uma vontade de desentranhar obscuras zonas traumáticas


gosto que as coisas saiam cá para fora, e de retomar séries alheias como se fosse uma máquina «demasiado humana» de retraduzir paisagens interiores/exteriores


provávelmente é na abstracção que sou mais intímo, sexual e concreto

«crianção»


Alguns posts atrás os dedos fugiram-me no sentido de um «lapsus dactilugraficus» (desculpem-me o macarronismo) - em vez de criação, escrevi crianção - neologismo que se destaca da noção pejorativa de criancinha - crianção é o que na criança e na criação aspira a ser grande.

porretanos


Não tarda entraremos nas guerrilhas comichosas da «querela dos universais», não muito distintas de outras arabes e hindús. A posição que tenho propensão a defender é a de um «sensualismo» que ao mesmo tempo é radicalmente nominalista (dentro de uma tradição que vai directamente do sofista Antifonte a Alberto Caeiro... e talvez a Nelson Goodman (ou nem por isso?)), imanentista (materialista ou pan-ateísta? ou nem uma coisa nem outra?), e subreticiamente «mágico» (pois acredito na eficácia das formas, ora bolas!). Não sei se há atribulada contradição entre estes termos e teorias. Julgo encontrar ecos de uma estética do encantamento (que me é cara) em Gorgias e Abhinavagupta, em que a predisposição para nos deixarmos embalar pela ilusão é sinal de um prazer divino (no que o humano pode ter desse adjectivo).


Há no entanto argumentos curiosos quanto à eficácia das «formas» (ou dos arquétipos - uma tradição pitagórica-platónica-tântrica que é confirmada pelas experiências de Tinberg). Por exemplo, Gilberto de Poitiers (Gilbertus Porretanus) faz, a partir de Boécio a distinção entre o quod est (o que é) e o quo est, o «porque» uma coisa é assim ou assado. Transcrevo Jolivet: «O quo est é também defenido como «poder de fazer» : isso leva a considerar que a forma é eficaz. Gilbert, seguindo neste assunto Bernard de Chartres, chama «formas originárias» (formae nativae) às formas que residem nas coisas criadas: «sensivel na coisa sensível, insensível quando é concebida pelo espirito, singular em cada coisa tomada à parte, universal em todas» (João de Salisburia).»


O que é incontornável é a eficácia física, sensual, singular, de determinadas formas «mais abstractas», assim como de determinados sons, relativamente simples. A questão não é entronar a forma eficaz, nem ser um devoto de números de ouro e semelhantes refúgios de místicos de opereta. O que interessa aqui é uma prática que considere como incontornável o que Jolivet designa ao dizer que a forma é eficaz, isto é, que as formas mais generalistas são mágicas, no sentido de produzirem determinados efeitos - o que é o mesmo que dizer que as imagens são poderosas. Essa eficácia é a porta do «encantamento». E é aí que entra em liça a estética indiana dos rasa, e dos raga e do bhava. A ver vamos.

Monday, April 23, 2007

são as «essencias» metamórficas


Qualquer leitor de Platão ou de Aristóteles constata que as categorizações e os dispositivos conceptuais que usam mudam de livro para livro, e no caso de Platão há inclusive uma teatralidade que acompanha o leitor dentro do mesmo livro. Podemos supor que as «soluções» apresentadas pelos principais personagens dos diálogos podem ter um refutador pelo mesmo personagem que as afirma, ou que as nuances se vão aguçando. A velha noção de filosofia implica essa mesma próximidade metamórfica e um temível criticismo. Nos gregos é o prazer de refutação, de discussão e de conversação que predomina. Nestes termos as essências são metamórficas. O caso da «mesa» é o de algo que não tem uma existência intemporal, uma vez que a sua criação é recente. No mesmo sentido, qualquer coisa que exista neste mundo não terá existido a determinada altura. Falar da essencia de qualquer coisa é falar do devir desse tipo de coisas conjugado com o devir do pensamento que a pensa, manipulado (ou manipulando) em quem experimenta tais pensamentos.


Dir-se-ia que a pintura é uma singularidade enquanto prática (se excluirmos os múltiplos e uma hipotética refutação wharholiana ou as teorias de Baudrillard) e resultado - mas a pintura namora essa «ficção» de essencias metamórficas, e fá-lo mal aceita o termo arte como categoria limitativa (ou aumentativa) de um fluxo de possibilidades. As artes ditas plásticas são mais nominalistas que a música ou a literatura, porque o som namora a redução das suas frequências a algo codificável e combinável. Quanto à literatura, toda a palavra supõe a admissão de algo partilhável e generalizável. Por isso o literário acaba canibalizado no filosófico, enquanto o artístico, e sobretudo o pictórico, fica limitado à exibição de singularidades extremas (mesmo quando enunciam, através da arte dita abstracta, sublimes generalidades), embora estas sejam «replicáveis» (até à nausea) através da reprodução mecânica ou cibernética. Esta reprodução não desfigura a singularidade senão como uma falsa aura que duplica, e de que maneira, a aura original.