Wednesday, May 2, 2007

porretanos


Não tarda entraremos nas guerrilhas comichosas da «querela dos universais», não muito distintas de outras arabes e hindús. A posição que tenho propensão a defender é a de um «sensualismo» que ao mesmo tempo é radicalmente nominalista (dentro de uma tradição que vai directamente do sofista Antifonte a Alberto Caeiro... e talvez a Nelson Goodman (ou nem por isso?)), imanentista (materialista ou pan-ateísta? ou nem uma coisa nem outra?), e subreticiamente «mágico» (pois acredito na eficácia das formas, ora bolas!). Não sei se há atribulada contradição entre estes termos e teorias. Julgo encontrar ecos de uma estética do encantamento (que me é cara) em Gorgias e Abhinavagupta, em que a predisposição para nos deixarmos embalar pela ilusão é sinal de um prazer divino (no que o humano pode ter desse adjectivo).


Há no entanto argumentos curiosos quanto à eficácia das «formas» (ou dos arquétipos - uma tradição pitagórica-platónica-tântrica que é confirmada pelas experiências de Tinberg). Por exemplo, Gilberto de Poitiers (Gilbertus Porretanus) faz, a partir de Boécio a distinção entre o quod est (o que é) e o quo est, o «porque» uma coisa é assim ou assado. Transcrevo Jolivet: «O quo est é também defenido como «poder de fazer» : isso leva a considerar que a forma é eficaz. Gilbert, seguindo neste assunto Bernard de Chartres, chama «formas originárias» (formae nativae) às formas que residem nas coisas criadas: «sensivel na coisa sensível, insensível quando é concebida pelo espirito, singular em cada coisa tomada à parte, universal em todas» (João de Salisburia).»


O que é incontornável é a eficácia física, sensual, singular, de determinadas formas «mais abstractas», assim como de determinados sons, relativamente simples. A questão não é entronar a forma eficaz, nem ser um devoto de números de ouro e semelhantes refúgios de místicos de opereta. O que interessa aqui é uma prática que considere como incontornável o que Jolivet designa ao dizer que a forma é eficaz, isto é, que as formas mais generalistas são mágicas, no sentido de produzirem determinados efeitos - o que é o mesmo que dizer que as imagens são poderosas. Essa eficácia é a porta do «encantamento». E é aí que entra em liça a estética indiana dos rasa, e dos raga e do bhava. A ver vamos.

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