Wednesday, March 14, 2007


podemos ver a geometria dos egipcios e dos mesoptâmios, mas não podemos pensá-la como o fizeram os gregos, os hindús, os chineses, os gnósticos, e por aí adiante


confesso que não quero entrar em terras maçónicas ou em edulcorações teosóficas - a geometria pode servir os sectarismos mas não cabe neles


os gregos parecem-nos os mais uteis para perceber os nós que unem as figuras geométricas e as redes flutuantes do «pensamento» - Michel Serres fala deste acontecimento como algo que sucedeu por triângulações (a partir de Thales e a do modo como ele importa a medição das pirâmides através das sombras)


também não podemos esquecer o caracter pragmático (e teórico) das geometrias «sofisticas» - normalmente esquecemos que os sofistas, esses detratores do modo como se legitima o Ser, também foram diligentes geómetras, e abordaram com argúcia questões como a quadratura do circulo


Platão exigia que os filósofos fossem geómetras porque os conceitos são derivados da geometria - grande parte da filosofia, embora aborde questões topológicas, é desde há muito má geómetra, e nesse sentido incipiente. Spinoza ainda estruturou a sua Ética a partir de um modelo euclidiano. Bachelard, e em parte Valéry, procuraram entrar no âmago geométrico, e nas novas possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento das matemáticas. Recentemente Sloterdijk tem uma brilhante trilogia sobre as esferas.


Pelo contrário, foi na pintura e na arquitectura «moderna» que se produziram as mais agudas reflexões sobre a questão geométrica, num tremendo esforço «canónico». Corbusier é exemplar. Mas em todo o modernismo há um hálito totalitário. A geometria oferece-se como possibilidade de intensidades e não como restrição. Não vamos todos viver (ou ficar mortos) em pirâmides ou habitar maquinalmente. Acho que deviamos oferecer a esta fantástica herança canónica um novo fôlego.

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